Você já parou para pensar que os sensores estão presentes cada vez mais em nossas vidas, sejam nas atividades profissionais, de lazer, atividades físicas, nas nossas residências, na saúde, nas fábricas, nas cidades?
Esses sensores são a base das plataformas do que chamamos de Internet das Coisas (IoT).
De uma forma simples para o entendimento, a Internet das Coisas refere-se aos bilhões de dispositivos físicos em todo o mundo que estão tendo seus dados coletados via sensores, e compartilhados, utilizando um ambiente de comunicação de dados, usualmente, mas não como regra, a Internet, sendo tratados (normalmente, mas não como regra por aplicações que utilizam algoritmos de Inteligência Artificial) e onde haja uma ou mais ações acerca do tratamento do conjunto de dados coletados. Essa ação pode ser na própria Coisa ou no ecossistema que ela está inserida. Por definição, um dispositivo IoT deverá efetuar as ações que se espera dele independente de uma ação humana.
A ideia de adicionar sensores e inteligência a objetos já era abordada na década de 1980, mas o seu progresso foi lento simplesmente porque a tecnologia não estava pronta para suportar as aplicações. A infraestrutura de armazenamento e comunicação de dados existentes, e o tamanho, o custo e performance dos chips não viabilizavam esses projetos, dentre outros fatores.
O termo IoT foi cunhado pela primeira vez em 1999 por Kevin Ashton, um pesquisador do laboratório AutoID do MIT.
Foi necessário mais de uma década, desde a sua conceituação, para que a Internet das Coisas alcançasse o status que possui hoje, embora a sua utilização em larga escala ainda está em seu estágio inicial. À título de comparação, as aplicações IoT hoje estão em níveis parecidos com o que era a Internet na década de 90. Ou seja, muito ainda há por vir. Mesmo assim, as plataformas IoT já são a base de boa parte das aplicações de Manufatura Avançada (Indústria 4.0), Saúde 4.0, Cidades Inteligentes, Agriculta 4.0, Logística 4.0, dentre outros.
E o que motivou e ainda está motivando tamanha revolução que IoT está provocando na sociedade? Do ponto de vista de tecnologia e de processos fabris, boa parte desta expansão e proliferação do uso das plataformas IoT se deve à evolução exponencial que vivenciamos nos últimos anos em algumas tecnologias e processos de fabricação, que possibilitaram a redução sensível do custo de produção e de comercialização, o aumento de performance e a miniaturização dos componentes eletrônicos; o aumento da capacidade de armazenamento dos dispositivos eletrônicos; a diminuição do consumo de energia dos componentes eletrônicos; a miniaturização, o aumento da capacidade de armazenamento e redução do custo das baterias; o aumento nas taxas de transmissão e das velocidades médias de transmissão e redução de latência da redes de comunicação de dados; a proliferação das aplicações que utilizam algoritmos de Inteligência Artificial (IA); a redução do custos dos robôs, e outros mais.
Vamos abordar algumas dessas tecnologias exponenciais:
a) Lei de Moore – em 1965, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, profetizou que a densidade de transistores nos circuitos integrados em uma mesma área (no caso, em processadores) dobraria a cada
12 meses, mantendo-se o custo. Em 1975, ele reviu a sua projeção para um período de 18 meses. Com o tempo, a Intel substituiu a expressão “número de transistores” por “poder computacional”, que é a atual base para o desenvolvimento de novos chips.
A Lei de Moore determinou o ritmo da revolução digital que estamos vivendo nos últimos anos. Embora o que passou a ser chamado de Lei de Moore não venha a ser uma lei propriamente dito, esta projeção tem se mantido até os dias atuais, embora já se saiba das dificuldades técnicas existentes para a continuidade da miniaturização dos circuitos integrados baseados em Silício para a manutenção da Lei de Moore. Novas técnicas de encapsulamento surgiram e novos materiais estão sendo pesquisados, de modo a continuar a aumentar o poder computacional dos circuitos integrados nos parâmetros da Lei de Moore.
Figura 1 – Lei de Moore
O aumento exponencial do poder computacional dos processadores, associado à miniaturização, a redução do custo por transistor e do consumo de energia dos componentes eletrônicos, foram fatores- chave para as principais revoluções tecnológicas que estamos vivenciando e que são a chave para a Transformação Digital que estamos vivenciando.
Boa parte das evoluções exponenciais que iremos descrever a seguir são consequências diretas ou indiretas da Lei de Moore!
b) Redução no custo e a miniaturização dos sensores – A evolução exponencial vivida pela indústria de semicondutores nos últimos anos, seja nos processos de produção, técnicas de encapsulamento e utilização de novos materiais, dentre outros fatores, possibilitaram a miniaturização dos componentes eletrônicos e redução de seu custo.
Nos últimos anos, os sensores, que possuíam custos exorbitantes, tiveram uma redução exponencial no custo unitário. Essa evolução exponencial (aumento de performance, redução de custo e miniaturização) foi chave para a expansão exponencial das aplicações IoT.
Figura 2 – Redução do custo médio dos sensores para IoT
c) Redução do custo de transmissão e da latência, com o aumento das larguras de banda e velocidades médias de transmissão das redes móveis – Vivenciamos nos últimos anos uma evolução exponencial nas tecnologias utilizadas nas redes móveis de transmissão de dados. Esses avanços não se deram unicamente na diminuição da latência das redes (que é o atraso antes que uma transferência de dados comece após uma instrução), mas também na redução do custo por transmissão (em Gbps), como no aumento da largura de banda e velocidade média de transmissão, dentre outros fatores importantes.
Se lembrarmos os tempos do início da Internet comercial, o acesso à rede era feito por meio discado à baixas taxas de transmissão. A velocidade máxima alcançada era de 56 Kbit/s, utilizando uma linha telefônica junto com um provedor pago, onde, para cada 3 minutos de conexão on-line para acesso à Internet, era cobrado o valor de uma ligação telefônica, o que deixava o custo final altíssimo. Até 2014, a conexão mais utilizada nas residências brasileiras para acesso à Internet ainda era a discada.
Hoje, temos mais de uma modalidade de acesso à Internet, como as redes de celulares (3G e 4G), e outras arquiteturas distintas para a conectividade para dispositivos IoT (ex. LoRa e Sigfox) que oferecem performance e custo bem superiores, quando comparados com cenário que vivemos no início da Internet comercial no Brasil.
A implantação das redes 5G, que deverá ocorrer no Brasil nos próximos anos, irá trazer ganhos enormes para a expansão das aplicações IoT, pelas características que essa infraestrutura oferecerá para as aplicações críticas, com aumentos exponenciais das taxas de transferências e velocidades médias, redução do congestionamento, maior densidade de conexão e menor latência, dentre outros fatores, quando comparado com as redes 3G e 4G LTE.
As redes 5G suportam uma densidade de dispositivos dez vezes maior do que as redes 4G LTE: 1 milhão de dispositivos/Km2 nas redes 5G, contra 100 mil dispositivos/Km2 nas redes 4G LTE.
O quadro a seguir apresenta um comparativo entre as principais especificações técnicas das redes 5G, comparadas com as especificações 4G LTE.
Figura 3 – Quadro comparativo 5G x 4G LTE
d) Redução do custo por Gigabyte de Armazenamento na nuvem – O alto custo computacional e de armazenamento sempre foram um empecilho para a expansão dos negócios. Num passado não muito longínquo, era comum as empresas possuírem servidores corporativos em grandes CPDs, com grandes dispositivos de armazenamento. Essas estruturas consumiam (e ainda consomem) boa parte do orçamento das empresas.
Nenhum negócio era iniciado sem uma previsão orçamentária razoável para a implantação e operação de um CPD. Embora este cenário ainda seja atual, cada vez mais as empresas armazenam as suas aplicações na nuvem e não dependem mais de suas estruturas pesadas de CPDs.
A evolução exponencial que vivenciamos nos dispositivos de armazenamento, com o aumento sensível na capacidade de armazenamento e redução do custo por GB, a redução do custo de transmissão por GB, com o aumento da capilaridade e taxas de transmissão das redes de comunicação de dados, possibilitaram uma redução exponencial no custo de hospedagem de aplicações na nuvem. Vários provedores surgiram e oferecem serviços diversos de hospedagem na modalidade as a Service, que possibilitam o desenvolvimento de projetos, onde o fator armazenamento e processamento deixaram de ser um empecilho para os projetos.
Figura 4 – Redução do custo de armazenamento na nuvem
A redução exponencial do custo de armazenamento na nuvem possibilitou que as aplicações IoT pudessem se expandir, pela possibilidade de um aumento exponencial na capacidade das aplicações, inclusive, quanto à possibilidade de incorporação de aplicações baseadas em algoritmos de Inteligência Artificial.
e) O aumento da capacidade de armazenamento, a redução do custo e a miniaturização das baterias O alto custo das baterias, associado à reduzida capacidade de armazenamento, tamanho físico e tempo de duração da carga sempre foram impeditivos para a proliferação das aplicações IoT.
Nos últimos anos, vivenciamos uma evolução exponencial dos processos produtivos e das tecnologias utilizadas para a produção de baterias, que estão sendo fundamentais para a expansão do uso de plataformas IoT.
Esta evolução está fortemente associada aos projetos de carros elétricos, bem como à evolução tecnológica dos smartphones. E esta evolução ainda está no seu início, o que significa que teremos novas capacidades e alternativas tecnológicas de baterias disponíveis nos próximos anos!
Figura 5 – Redução do custo das baterias de Lithium-Ion no tempo
f)A proliferação das aplicações que utilizam algoritmos de inteligência artificial – O termo Inteligência Artificial foi cunhado por John McCarthy em 1955. Entretanto, embora não seja recente, a utilização prática de aplicações que utilizam algoritmos de IA sempre ficou basicamente restrita ao mundo acadêmico. Isso se justifica fortemente pela necessidade de um enorme poder computacional que o aprendizado dos algoritmos de IA requer, para a expressiva maioria das aplicações. Até bem pouco tempo, o alto custo de processamento computacional, de armazenamento nas nuvens e de transmissão de dados eram fortes empecilhos para a expansão de aplicações baseadas em IA.
Mais recentemente, graças às evoluções tecnológicas mencionadas anteriormente, as aplicações baseadas nos métodos de Machine Learning e Deep Learning mudaram o patamar das aplicações, principalmente, as que utilizam plataformas IoT.
Figura 6 – Redução do custo para treinamento em redes neurais
Adicionalmente às evoluções exponenciais já mencionadas, mais recentemente, estamos vivenciando uma revolução na oferta de processadores de altíssimo desempenho, customizados para as aplicações de IA. Por exemplo, a Nvidia acaba de lançar o processador DGX A100, que incorpora 54 bilhões de transistores e possui desempenho de 5 petaFLOPS (FLoating-point Operations Per Second), 20 vezes maior do que o chip Volta da geração anterior.
Como Internet das Coisas, IA ainda está numa fase de infância, a exemplo do que estava a Internet na década de 90. Portanto, ainda veremos uma expansão exponencial em sua utilização, com ganhos incríveis para toda a sociedade.
g) Redução do custo dos Robôs – Um dos alicerces que tem impulsionado o crescimento das aplicações de Indústria 4.0, ou Manufatura Avançada, é a expansão exponencial do uso de robôs com sensores, conectados e controlados por plataformas IoT, indo além das aplicações convencionais de automação que utilizam robôs não conectados.
Segundo estudos da Oxford Economics, o uso de robôs em todo o mundo aumentou três vezes nas últimas duas décadas (para 2,25 milhões). A previsão é de que 20 milhões de robôs estejam em uso industrial no mundo até 2030.
Até 2030, segundo o estudo Global Robotics and Automation Index da Federação Internacional de Robótica, os robôs serão peça-chave na produção industrial e se tornarão 8,5% da força de manufatura global. Cerca de 20 milhões de robôs estarão em uso. Somente a China deverá ter cerca de 14 milhões de robôs de fabricação.
Figura 7 – Redução do custo dos robôs
Como as tecnologias e processos produtivos não param de evoluir a taxas exponenciais, se este artigo for escrito novamente daqui a doze meses, por exemplo, com certeza novas tecnológicas terão surgido ou evoluído à taxas exponenciais, beneficiando sobremaneira a nossa sociedade, com a oferta de produtos e serviços diferenciados, que possibilitarão uma melhor qualidade de vida, melhor oferta de serviços públicos e ganhos de produtividade e competitividade para as organizações.
Engenheiro Eletrônico, com Pós-Graduação em Automação, Computação e Telecomunicações. Foi membro da Câmara IoT, coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que elaborou o Plano Nacional de IoT.
Professor da Fundação Dom Cabral em temas relacionados com a Internet das Coisas, Inovação e Transformação Digital. Consultor da EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) para a avaliação e o credenciamento de novos centros de pesquisa e inovação. É membro do Conselho de Tecnologia e Inovação da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de MG).Partner Consulting da Ciatécnica.
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