A proposta do economista e cientista político Joseph Schumpeter que na primeira metade do século XX estimulou a inovação como fator essencial para o desenvolvimento econômico da sociedade analógica produziu seus impactos. A sociedade digital do século XXI, cada vez mais automatizada, está a caminho da inteligência artificial plena. Com sua internet das coisas, smart cities, bockchein, data mining é resultado do percurso induzido pela “destruição criativa” de Shumpeter que imaginou saltos no processo produtivo com a inovação. Para o economista era necessário introduzir um novo bem; um novo método de produção, baseado numa descoberta cientificamente inovadora; abrir um novo mercado; conquistar nova fonte de matérias-primas; estabelecer novo modo de organização da indústria.
Se de um lado avançamos, de outro o resultado não foi suficiente para acabar com a desigualdade, com a limitação dos postos de trabalho, com as restrições da própria atividade econômica.
Outro economista, o alemão Max Weber, que viveu 30 anos menos que Shumpeter, alertava, no mesmo período, que o empreendedor precisa responder a um sistema de valores. Compreendia que se tratava de uma liderança com fonte natural de autoridade social.
Por esta razão, em geral, o empreendedor se enquadraria em quatro tipos de ações sociais. A primeira seria a racional vinculada a um fim específcico. Haveria um objetivo e o empreendor era motivado apenas para atingir sua meta. A segunda seria uma racionalidade ancorada nos valores morais aos quais o empreendor acreditaria e seguiria como razão de sua prática. Uma terceira seria a motivação afetiva. Prevaleceriam os sentimentos de vínculo emocial com aquela empreitada sem preocupação com os resultados. A última seria a tradição baseada no hábito, no constume, na cultura, não necessariamente na razão.
Esse esforço de Max Weber, que procurou descrever as motivações de um empreendedor, nos dá uma pista de que o viés que ancora a prática empreendedora pode ter levado ao sucesso da inovação e ao insucesso na superação da desigualdade. Quando se priorizou o “fim” pode-se ter reativizando os limites dos “meios”, quando se contemplou valores pode-se ter observado uma moral conservadora e ter ignorado possibilidades de inclusão, quando se foi emocional pode-se ter feito apostas infelizes, quando se seguiu a cultura, o costume, o hábito, pode-se ter esquecido a reflexão crítica. O fato é que os erros do caminho terminaram por não ser exatamente aprendizagem.
A crise provocada pela pandemia provocada pelo corona vírus tem nos colocado diante desta verdade. Andamos muito, mas deixamos muitos e muitas coisas pelo caminho. Olhar os corpos que agora enterramos nos remete aos corpos que deixamos para trás. Observar nossas limitações e nossa impotência diante da Covid-19 abre um espaço de incertezas que faz emergir essa fatura civilizatória.
Entretanto, imagino que tanto Shumpeter quanto Max Weber não desprezariam essa oportunidade de aproveitar a parada do planeta em 2020 para limpar com o presente o passado e abrir espaço para um novo futuro. Aliás, não há outro jeito. O que se apresenta à frente não é a continuidade do que se fazia e do que havia antes da pandemia.
Nessa toada é que devemos observar nossas possibilidades a partir de uma racionalidade vinculada à justiça, ancorada no equilíbrio. Ajustar nossos valores de inclusão, mobilizar nosso emocial em favor da solidariade, da complementaridade, pela colaboração e tudo isso ser a meta empreendedora.
No caso do Distrito Federal 90% da atividade econômica, segundo o IBGE, estão no setor de serviço. Mais de 20% da população com mais de 25 anos têm nivel supeiror, o percetual de pós-graduados está acima da média do país e há uma massa de empreendedores individuais. Essas características nos revelam um pontencial relevante para uma animação pujante da economia no âmbito criativo.
Economia criativa compreendida como a geração de ativos de natureza cultural e criativa que envolve uma gama que vai do artesanato ao software. São atividades econômicas que dependem da criatividade, da inovação, do conhecimento para gerar valor de bens e serviços que interagem diretamente com a tecnologia e a propriedade intelectual (ver OLIVEIRA, João, ARAÚJO, Bruno C., et SILVA, Leandro V. – Panorama da economia criativa no Brasil – IPEA – R i o de J a n e i r o, 2 0 1 3.)
Trata-se de um setor que resulta em impacto econômico e social e para o qual o Distrito Federal vem gradualmente pedindo passagem. Já tem o título internacional de cidade criativa do Design. Várias ações vêm sendo articuladas por diversos atores. Com base no documento do IPEA, acima mencionado, já percebemos que há pelos menos cinco grupos potenciais:
Grupo 1 – Patrimônio, incluindo as expressões culturais e os sítios culturais. Turismo patrimonial, urbanístico, arquitetônico e paisagístico; ecológico, cívico.
Grupo 2 – Artes, em todo o amplo universo das artes visuais e performáticas.
Grupo 3 – Mídia, abrangendo publicações e mídia impressa e todas as atividades contidas no audiovisual.
Grupo 4 – New media e serviços criativos, produção de conteúdo. Pode ser incentivada a produção de softwares, aplicativos, redes e conteúdos orientados a problemáticas coletivas e/ou de grupos sociais específicos.
Grupo 5 – Pesquisa e Desenvolvimento, principalmente em biotecnologia, aproveitando o que resta da biodiversidade no Distrito Federal e adjacências, decorrente da confluência das três grandes bacias hidrográficas brasileiras. O alto nível de instrução da população local indica que o incentivo a atividades de P&D é atividade particularmente apropriada.
Todas essas possibilidades estão associadas aos pequenos e grandes eventos (já temos alguns que são internacionais), às trilhas gastronômicas, aos percursos de moda com criação local, às feiras de artesanatos, aos hubs de micro e pequenos negócios que podem emergir dentro dos parques tecnológicos e nas regiões administrativas do Distrito Federal. Mesmo nas cidades de Goiás que ficam no entorno. Um movimento que ativa o comércio, a rede hoteleira e de restaurantes. Na dimensão da produção de softwares, especialmente aplicativos, pode-se abastecer a indústria regional e nacional.
O que nos falta é pensar a economia criativa como estratégia de Estado, como prioridade. Planejando e articulado uma cadeia de valor com vários arranjos produtivos de cada atividade criativa organizada, profissionalizada. Governo, setor privado e academia atuando juntos com todos os agentes da sociedade civil, operando economicamente sinérgicos.
As Câmaras da Fecomércio, os Comitês da FIBRA, as associações setoriais, parques tecnológicos, agentes comunitários e culturais, as secretárias do governo, comissões da Assembleia Distrital, as Universidades, todos atuando juntos em uma destruição criativa com escopo, com foco, com meta, com um objetivo comum: o desenvolvimento social no qual todos estarão incluídos. Não deixaremos mais corpos pelo caminho.
Alexandre Schirmer Kieling possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Maria (1985), especialização em cinema e TV (2000) mestrado (2004) e doutorado (2009) em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e pós doutorado com pesquisa sobre convergência midiática: envolvimento e engajamento (UnB 2020). Desenvolveu uma pesquisa sobre interatividade na TV, tendo feito estágio doutoral na Sorbonne Nouvelle Paris 3 , na França, sob a orientação do Professor François Jost.
É professor do Programa de Mestrado Profissional Inovação em Comunicação e Economia Criativa. e da Graduação em Comunicação da Universidade Católica de Brasília. Coordena a Pós-Graduação Lato Sensu Narrativa Transmídia da mesma instituição.
Tem experiência em produção e gestão de realização audiovisual, especialmente em televisão. Atua e pesquisa com ênfase nos seguintes temas: digitalização das mídias, TV digital, televisão brasileira, interatividade, narratologia, conteúdos audiovisuais, conteúdos digitais. Coordena o Grupo de Pesquisa que estuda os conteúdos Digitais e Interativos.